Ontem pedalei por alguns minutos (até o meu local de trabalho) e percebi nas ruas a interferência causada pelos seres em nossa memória geográfica sentimental. As ruas (parece) se lamentam em Belém. O que era referência para alguns, hoje não passa de um novo estabelecimento ornado com sua enorme cornija cor de abobora ou um simples desencontro de idéias notificadas pelo CREA no decurso das vias. Como disse antes... As ruas parecem suspirar lamentosas... Você percorre pelo corpo de uma avenida sentindo sua atmosfera abstrata repleta de desarmonia e infelicidade. Sinto-me triste pelas ruas hoje...
O tempero que impera no reino das ruas em Belém é o da "confusão" de paradigmas arquitetônicos. Dependendo do local, o processo de desenvolvimento se mostra como uma bela amálgama de períodos históricos diferentes, contudo, com uma idade invadida por viajantes de diversas culturas que insistem em atuar com suas pinceladas peculiares na paisagem já tão afetada. Vejamos bem... As ruas mostram-se a deriva nessas vagas, como botes a deriva em bairros desproporcionais. A rua aprisionada entre casas, vilas, barracos, mansões e kitnets... As ruas estão de mãos dadas a implorarem por suas saídas até uma rodovia que as levem para uma grande estrada cercada de mato em ambos os lados.
É muito triste encontrar uma rua com seu término em um muro. Existe uma pelas redondezas... Em toda minha existência entrei apenas umas duas vezes na mesma, pois, o que fazer em uma rua com sua conclusão em um muro calcificado? Para piorar conheço apenas um habitante desta rua triste (e se diga de passagem um rapaz deveras estranho). A rua é como um ser vivo. A rua tem o seu processo vital com semelhanças descaradamente humanas: as ruas nascem. São inauguradas. Sofrem de alguns males físicos, sofrem com as intempéries e são dependentes demais umas das outras: você só chega a uma rua através de outra (e vice-versa). As ruas são enfeitadas em dias de festas, trabalham em dias de eleição geral, são obrigadas a permanecerem sempre no mesmo lugar e também despejam o que nós despejamos nelas no esgoto. Quando uma rua apresenta enormes erupções em sua epiderme são preparados paliativos de urgência, porem, se essa rua não esta localizada em uma área de nobre estrato, estendendo-se as pompas de suas vizinhas, sofre como um cidadão menos favorecido (suplicando por um atendimento digno).
Enfim, sempre na vida das ruas chega um momento crucial: castigadas pelas intempéries, pelas intervenções dos moradores que abusam de suas residências sem qualquer senso, traumatizadas pela ausência de manutenção... As ruas morrem... Para nascerem novas ruas... Aquela rua que você sempre passava no caminho da escola quando criança não é mais a mesma... É apenas uma filha da filha daquela rua registrada em tua quimera pueril. As passagens, alamedas, e ruelas aprenderam o segredo do Pajé revelado ao índio Tibicuera, assim mesmo como se lançam no tempo galgado pela perenidade dos Buendia. Você não percebe que a rua morreu... Ela parece atravessar as décadas sem a ação da "inesperada das gentes".
As ruas se conhecem entre si, e não estão perdidas no autômato que prende os homens ao efeito do Eterno-Retorno... Elas apenas não podem externar de maneira clara suas experiências, simplesmente lançam suspiros tácitos de um saber languido e perdido entre os brocados do asfalto e as poças de lama. Amanhã (ou daqui a pouco) você vai caminhar por sua rua, a mesma que chora pelo mal gosto de quem mora a sua margem. Do vizinho que tenta imitar a idéia do outro, acabando por construir um tugúrio cheio de berliques e berloques, ação que furta o encanto, transformando a própria energia da rua em algo indecifrável.
Antes de sair agarre com suas mãos esperançosas "So Tough" do Saint Etienne (um grupo de pop inglês formado por: Bob Stanley, Sarah Cracknell e Pete Wiggs). Essa obra tão britânica e extremamente envolvente vem explorar essa beleza que a rua procura e parece não existir. Escute este álbum e tente perceber a urbanidade volatizada, a doçura em extremo grau. Uma boa marca são as amostras de diálogos que aparecem intercaladas entre as músicas (as fontes originais incluem os filmes: Peeping Tom, Billy Liar, O retrato de Dorian Gray, Lord of the Flies...). Ainda temos um sampler de um riff do Rush ( The Spirit Of Radio, 1980) na canção Conchita Martinez. A garotinha da belíssima capa é a vocalista Sarah Cracknell em uma foto tirada por seu pai (o que acrescenta um ar tão nostálgico e gostoso a obra).
Você pode simplesmente dançar com Mario's Café ou se emocionar aconchegado nas lágrimas do Elvis em Hobart Paving (por sinal está chovendo demasiadamente agora)... O disco foi lançado no dia 9 de Março de 1993 (UK), tendo sua reedição lançada no dia 31 de Agosto de 2009, como parte das edições de luxo editadas.
Você pode simplesmente dançar com Mario's Café ou se emocionar aconchegado nas lágrimas do Elvis em Hobart Paving (por sinal está chovendo demasiadamente agora)... O disco foi lançado no dia 9 de Março de 1993 (UK), tendo sua reedição lançada no dia 31 de Agosto de 2009, como parte das edições de luxo editadas.
Pense nas ruas e no seu sofrimento... Tergiversei por demais a respeito do caso das ruas... Esse efeito faz parte do processo que estou vivendo, de repente começo a digredir a respeito dos problemas de certas coisas que parecem não ter sentido... Porem, o sentido não é algo ofertado pelas pessoas as coisas? Então se esse texto estranho não lhe agradar, aproveite as canções, e tente reaver o sentido de algo que tem vida apenas para você.
Até logo...
Até logo...
Ps: prometo que volto a falar do problema anímico das ruas.
# Saint Etienne - So Tough (US Version) 1993
01 - Mario's Cafe
02 - Railway Jam
03 - Date With Spelman
04 - Calico
05 - Avenue
06 - You're In A Bad Way
07 - Memo To Pricey
08 - Hobart Paving
09 - Leafhound
10 - Clock Milk
11 - Conchita Martinez
12 - No Rainbows For Me
13 - Here Come Clown Feet
14 - Junk The Morgue
15 - Chicken Soup
16 - Join Our Club
Bom texto sobre as ruas! Tenho saudades do que não vivi, dos paralelepípedos que não pisei e que já não estão mais lá...Como não viver com esse sentimento em um lugar onde a palavra de ordem é "revitalizar"? Deve-se sepultar o passado a pretexto de que a """"modernidade"""" e agora o pós-moderno tenha espaço e vez. O texto me fez lembrar da coluna Memória do Cotidiano do Lúcio F. Pinto.
ResponderExcluirAbraços, mano velho!
Carlos.
P.S: "o cara estranho" sempre citado nos textos por ventura sou eu? É que me identifico com ele. =D
Pois é... Um ponto muito interessante mesmo é o dessa saudade de algo não vivido, e por consequência assassinado pelo pretexto moderno. Belém grita isso! Quando vc falou do texto do Lúcio F. Pinto, eu me lembrei tbm do início do Noites Brancas do Pai Russo.. Trecho em que o sonhador reclama sobre a pintura de uma casa, fazendo analogia ao assassínio da mesma.. rsrsr... Como sempre valeu a visita meu amigo!
ResponderExcluirPS: sim... vc é "o cara estranho"... uhehuehuhehehe... mas não espalha o ar de mistério é algo de uma relevância fundamental nos textos! =)